Publicar ou Morrer

Publish or Perish é uma expressão em inglês que descreve a situação de qualquer pesquisador hoje em dia: ou publica regularmente muitos artigos científicos, ou morre e é enterrado, em termos profissionais.

Isto acontece porque o número de publicações passou a ser usado como medida da produtividade; se um pesquisador não publica, corre o risco de perder o emprego. A situação não seria tão grave se atingisse apenas pesquisadores profissionais; contudo, atualmente os professores universitários e até os alunos de pós-graduação são também considerados “pesquisadores”, dentro do modelo de universidade proposto no século XIX por von Humboldt, e têm por isso que publicar muito.

Esta política de publicação forçada teve várias conseqüências negativas (e é discutível se teve alguma positiva). Uma delas foi o aumento explosivo do número de artigos que saem a cada ano. As estimativas variam, mas acredita-se que sejam publicados anualmente mais de dois milhões de artigos, e que existam pelo menos trinta mil revistas. A publicação científica se tornou um grande negócio. Para citar apenas um exemplo: a editora holandesa Elsevier controla 2.500 revistas, publicando em média meio milhão de artigos por ano, e tem um faturamento  líquido nada desprezível de 600 milhões de dólares (dados da Wikipedia).

Outra conseqüência foi o aumento da pressão sobre os professores, que precisam arranjar algo para publicar todo ano – mesmo que não tenham nada particularmente importante a dizer. Com isto, sobra a eles menos tempo para se dedicarem ao ensino – o que aparentemente não é um problema, pois nas avaliações internacionais das universidades a quantidade de pesquisa é sempre um item de grande peso, enquanto a qualidade do ensino em geral não é nem mencionada.

Para aumentar os números, uma saída é diluir o conteúdo. No século XX, uma tese de doutorado concluída podia talvez dar um artigo internacional; hoje em dia, o mesma tese costuma ser repartida entre meia dúzia de artigos. Os leitores são forçados a ler todos eles, e têm que juntar as peças de um quebra-cabeças antes de entenderem os resultados.

Mesmo os pesquisadores sérios atualmente publicam demais. O artigo na Wikipedia sobre o astrônomo Carl Sagan, por exemplo, menciona orgulhosamente que ele teve mais de 600 “publicações científicas” (embora muitas sejam de divulgação, não de pesquisa). O mais prolífico parece ter sido o matemático húngaro Pál Erdős, que publicou em sua longa carreira 1.475 artigos, com 485 co-autores [1].

Se há hoje artigos demais, por outro lado há também autores demais – todos os que auxiliaram de alguma forma na pesquisa querem incluir seus nomes na lista de autores do artigo, para engordar os currículos. As revistas sérias tentam criar critérios para reduzir o número de “autores”, mas ainda é comum encontrarmos artigos com dezenas deles.  

Uma coisa porém não mudou nas últimas décadas: se os manuais de redação do século XX diziam que as publicações científicas tendem a ser de leitura tediosa [2], porque os pesquisadores quase sempre escrevem mal [3], a situação não melhorou muito desde então. A maioria dos artigos continuam a ser enfadonhos, e seus autores não correm nenhum risco de ganhar o Prêmio Nobel de Literatura; correm, por outro lado, o risco de ganhar algo mais divertido, o prêmio IgNobel [4], uma paródia do Nobel, criada pelos alunos de Harvard. Se não ganham por causa da qualidade do texto, pelo menos podem ganhar por causa da situação ridícula que o artigo representa: por exemplo, autores demais para um mesmo artigo, ou artigos demais para um mesmo autor. Em 1993, o prêmio IgNobel de Literatura foi dado por um artigo publicado no The New England Journal of Medicine, uma das revistas médicas de maior prestígio internacional: o artigo de nove páginas tinha 976 autores. A editora da revista, que foi a Harvard receber o prêmio, estimou que havia em média um autor para cada duas palavras do artigo.

Em 1992, o prêmio foi dado ao russo Yuri Struchkov, por publicar nada menos que 948 artigos científicos. Alguém poderia argumentar que Pál Erdős publicou mais do que isto; mas é preciso considerar que Erdős passou uma longa vida publicando antes de alcançar o total (morreu aos 83 anos), e o último artigo foi publicado algumas semanas antes de sua morte. Struchkov, por outro lado, publicou os 948 artigos em apenas 10 anos (1981 – 1990), mantendo uma média de um artigo a cada 3,9 dias; e depois mais artigos com seu nome continuaram a aparecer, pelo menos até 1999 – embora ele tenha morrido em 1995. Erdős era realmente um autor prolífico, mas não conseguiu fazer a proeza de publicar quatro anos depois de morto…

Referências
[1] Hoffman, P. The man who loved only numbers. London: Fourth State Ltd. 1998
[2] Calnan. J., Barabas, A. Writing medical papers – a practical gui­de. London: William Heinemann Medical Books Ltd. 1973.
[3] Day, Robert A. How to write and publish a scientific paper. 5th ed. Cambridge University Press, 1998.
[4] Abrahams, Marc. Ignobel prizes. London: Orion Books Ltd. 2003.

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